BENÇA TIO HAROLDO!

Você provavelmente não sabe, nem nunca ouviu falar nesse tal de Tio Haroldo. E se algum dia, alguém lhe fez dele alguma referência, você com certeza já se esqueceu há muito tempo.

Mas comigo não é assim. Guardo nomes e fatos por uma vida inteira, sem me esquecer das pessoas e de episódios a elas ligados.

Quem será este Tio Haroldo a quem humildemente peço a bênção logo no início destas linhas? Quem será ele? Irmão de meu pai? De minha mãe? Casado com uma velha tia de segundo grau? Um velhinho amigo da criançada, que através dos anos conquistou este título sem mais nem menos, só na camaradagem e no carinho com a meninada?

Nada disto. Nem adianta nem tentar.

Não era meu parente nem sequer jamais o vi em toda minha vida. Mas guardo dele a melhor lembrança. Foi quem me deu o primeiro prêmio ligado a atividade cultural. Era o responsável pelo Suplemento Infantil de “O Jornal”, nos saudosos anos da década de 30. Diga-se aliás de passagem nem fui o autor da obra premiada em 9º lugar, num desenho colorido, enviado para aquela publicação.

A edição dominical só nos chegava às mãos às terças-feiras, no longínquo Guidoval que àquela época nem Guidoval era ainda.

O jornal trazia o desenho de uma cena do filme: “Os Últimos Dias de Pompéia”, que estava sendo lançado na ocasião nos cinemas aqui no Rio e os leitores se compraziam em colori-lo, em alegre porfia.

No nosso caso específico, quem o coloriu com seu invulgar talento de 8 ou 10 anos, foi a Carminha, minha irmã, artista de renome que despontava àquela época.

Na hora de assinar não foi por má fé, não. Foi no açodamento da hora; as malas do correio eram inflexíveis quanto ao horário de fechamento e eu não tendo feito nada ainda, resolvi apor minha assinatura.

Não tínhamos a menor esperança de faturar alguma coisa. Já tínhamos concorrido a outros certames, sem qualquer êxito e nessa oportunidade até nossa assessora cultural estava ausente, em viagem.

Lembro perfeitamente que tivemos divergências quanto a cobrir de preto a sombra dos gladiadores, projetada no piso do desenho. Vencedora a opinião da Carminha, favorável a cobertura, foi fator preponderante, uma vez que viemos a saber depois, a maioria dos concorrentes se descuidaram deste pormenor.

Acabei ganhando o prêmio, um livro de “Fabulas”, do Monteiro Lobato, com carinhosa dedicatória do festejado Tio Haroldo, a quem confesso hoje, quase 80 anos depois, este pequeno deslize de caráter.

Mas eu também me incluía entre os sobrinhos do Tio Haroldo, conseguindo publicar no tal “Suplemento”, alguns contos que eram contestados por meus colegas que os imputavam à Tia Sinhá, nossa assessora cultural a quem me referi e ora dedico meus saudosos respeitos.

Mas aconteceu algo imprevisto: no dia 20 de junho de 1936 saí de casa para estudar em colégio interno, em Nova Friburgo.

Lá chegamos nas férias, no gostoso frio friburguense com fogueiras, balões, que não eram proibidos na época e as deliciosas festas juninas.

Logo no início das aulas o professor pede uma composição sobre os festejos de que tínhamos a pouco participado.

Não me lembro bem, mas acho que não tinha havido qualquer promessa de divulgação dos trabalhos, que seriam apenas um corriqueiro exercício de redação.

Mas para surpresa minha e de todo mundo, numa noite, durante a ceia (sim, pois tínhamos ceia em vez de jantar) o leitor anuncia textos de “O Apóstolo”, órgão de divulgação literária dos alunos e, a páginas tais, um relato sobre os festejos juninos, em quatro partes, duas das quais de minha autoria. Ainda me lembro do início do texto a mim atribuído: “Dos balões que se soltavam, alguns não conseguiram atingir grande altura, pois atraídos pelo calor se encaminhavam na direção da fogueira e acabavam se incendiando.”

Detalhe importante: minha tia, assessora literária, não tinha ido comigo para o colégio interno. Tinha ficado em Guidoval a centenas de quilômetros de Friburgo, mais de um dia de viagem de Maria Fumaça.

Tio Haroldo também lamentavelmente lá não estava para aplaudir a estrondosa vitória de seu pupilo, que não contava ainda nem 13 anos de idade.

Mas lá estavam dois líderes daquela ferrenha Oposição guidovalense, diante da minha silenciosa vitória: “Viu como era eu mesmo quem já escrevia lá em Guidoval?”

Dias de glória!

Comentários

  1. Achei muito legal. Mas eu sou uma filha muito coruja, e tenho muito orgulho e admiração do pai que tenho. Aguardo outras cronicas. Vou indicar para a familia e amigos. Grande beijo. Moni

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  2. Tenho certeza que Tio Haroldo e Tia Sinhá (bela dupla) estão felicíssimos por terem sido lembrados por esse grande contador de histórias. Confesso que já pode vangloriar-se de ter conquistado mais um fã: Eu, sobrinho que, segundo o senhor, não aprecia muito a companhia de parentes. Um beijo Tio e obrigado por mais um grande conto...

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  3. Tio Edison,
    Adorei a idéia de divulgar a crönica num blog.O senhor está realmente muito moderninho pra quem nasceu em Guidoval...Brincadeirinha, tá? Só podia esperar isso de um tio padrinho tão inteligente e criativo.Agora náo pode parar mais.Continue escrevendo.Aliás aproveite sua temporada em Guidoval junto com a mamáe para se inspirar e prosseguir com sua pena mágica.Essa crönica ficou excepcional.Adorei!!!!
    beijos da sua sobrinha afilhada que muito te admira,
    Rosana Cattete

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  4. Nossa seu Edson que surpresa,linda a crônica escreva mais. Adorei saber que o Sr. está bem moderno e não deixa a cabeça ficar parada que nem alguns aposentados. Continue escrevendo e sendo o orgulho dessa família que eu amo muito.
    Bjs da amiga
    Regina Vilella B. Rangel

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  5. Prezado Dr. Edison,

    O meu amigo Marcellus, filho da Profª Carmem (Carminha), recomendou-me a leitura do Blog no endereço http://entreoquefoieoquesera.blogspot.com.
    Imediatamente, visitei a página. Li e gostei, muito.
    PARABÉNS!!! Pela iniciativa e modernidade.
    Continue a nos brindar com as suas deliciosas crônicas.

    Abraços do conterrâneo,
    Ildefonso José Vieira (Dé do Zizinho do Marcílio)

    PS:
    Em Dezembro de 2005, no JORNAL DE GUIDOVAL, fiz uma resenha sobre o seu livro “Entre o que foi e o que virá”.
    Acredito que seja oportuno ir acrescentando, aos poucos, as crônicas do livro no BLOG.
    Recomendo que se inicie pela que empresta o nome ao livro e agora ao BLOG “Entre o que foi e o que virá”.
    Além das outras crônicas como: “Primórdios”, “A sobrevivência do amor” , “Carta a um brasiliense enfermo” , “Beethoven e o samba” , “Um mistério de 50 anos” , “Parabéns pra você” , “Um caso de amor”, “Nem todos...”.

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  6. Seu Edison estou aguardando fortemente novas crônicas de Guidoval nesse blog! Achei sensacional esta iniciativa!!!
    Beijocas,
    Roberta Vilella

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  7. Oi vô!!Parabéns por esse blog!! Está simplesmente um sucesso!! Adorei essa nova crônica!! Espero ler muitas outras do senhor!! Mãos à obra rapaz!!
    Beijos da "de Niterói",
    Flavinha

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  8. Meu querido Tio e amigo Edison,
    é com enorme prazer que acesso seu blog pela primeira vez e me delicio de novo com a verve e o encanto de seus textos. Virei freguês (para usar um termo bem guidovalense) e visitarei o blog todos os dias, tal qual faço com o blog de outro jornalista de menor envergadura que a sua, o Ricardo Noblat.
    Um beijo,
    Marcellus

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  9. Tio, já escutei tantas vezes essa história contada pela vovó Carminha, mas nao tinha tantos detalhes... ADOREI!!!!
    Beijos Ana Eduarda

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